RESUMO
Este trabalho procura identificar os principais aspectos do fenômeno da extensão de efeitos da cláusula compromissória arbitral à terceiros a partir da análise bibliográfica doutrinária e do estudo de casos jurisprudenciais. Inicialmente, reflete-se acerca do instituto arbitral em si e da presença obrigatória da cláusula compromissória como expressão da autonomia da vontade das partes. Em seguida, procura-se compreender os requisitos para uma possível extensão da cláusula arbitral para terceiros não signatários, com objetivo de avaliar o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto.
Palavras-chave: Arbitragem, Cláusula compromissória, Autonomia da vontade.
1. INTRODUÇÃO
A jurisdição arbitral é um método de solução de conflitos distintivamente privado, pautado na autonomia da vontade das partes, porém, tão vinculante quanto a via judicial, e que traz uma resolução de litígio célere e com grande eficiência técnica. Tem sua autoridade e legitimidade derivada de cláusula contratual expressa, de forma que essa expressão da vontade das partes em aderir à cláusula arbitral, por consequência, afasta a jurisdição estatal.
Por esse motivo, as controvérsias que envolvem terceiros tornaram-se polêmicas. São essas controvérsias o foco deste trabalho. Para cumprir a finalidade proposta, foi utilizado o método de pesquisa exploratória qualitativa, por meio de análise bibliográfica da doutrina principal sobre o tema, bem como a análise jurisprudencial, de onde foram extraídos, por dedução, os principais fundamentos utilizados pelos juristas para a extensão (ou não) dos efeitos da cláusula compromissória arbitral à terceiros.
O trabalho foi estruturado da seguinte forma: no primeiro momento, serão analisados os pontos principais da arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos, suas características basilares, bem como o princípio da autonomia da vontade das partes. Em seguida, será abordada a cláusula compromissória – o requisito formal trazido na legislação como expressão da vontade das partes.
Por fim, reflete-se, mediante estudo da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, sobre a possibilidade de realização de arbitragem entre partes não contratantes, com o objetivo de perceber se a propositura e a assinatura formal de cláusula compromissória arbitral são necessárias para a submissão de terceiros alheios ao contrato à via arbitral.
2. A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL
Conforme Didier Junior (2015, p. 165), “autocomposição” é a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio.
O CPC/15 valorizou os institutos autocompositivos, trazendo, em diversos momentos, a necessidade de promover as soluções alternativas de conflitos, a exemplo do art. 359, o qual dispõe que, uma vez iniciada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem (BRASIL, 2015).
Nesse sentido opinou o Ministro Lewandowski, ao defender que a solução para desafogar o Judiciário é a fuga da cultura da litigiosidade em direção a uma cultura mais alternativa e pacifista, e que esse objetivo pode ser alcançado com os meios alternativos de solução de controvérsias (informação verbal)[2].
Diferentemente da mediação e da conciliação, formas autocompositivas de solução de conflitos, a arbitragem é heterocompositiva, mas também é alternativa ao judiciário, garantindo às partes um grau muito maior de autonomia.
Ressalta-se que a arbitragem ganhou novos traços com o advento da Lei nº 9.307/96, visto que, anteriormente, era apenas regulamentada pelo CPC. Com isso, veio o êxito da arbitragem como solução pacífica dos conflitos (DELGADO, 2003). Nessa seara, nota-se que a dinâmica do instituto arbitral é altamente diferenciada, principalmente se comparada ao processo civil jurisdicional. Ressalta Santos (1999, p. 20):
É de avivar-se que a arbitragem é processo bem menos formal do que o judicial (tenho afirmado que não se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil à arbitragem), razão pela qual, com mais liberdade, os árbitros, com a colaboração das partes, impulsionam o processo, até porque a arbitragem sempre tem prazo para findar, convencional ou legal […]. É preciso, entretanto, realçar que no procedimento, qualquer que seja, não podem ser maculados os princípios fundamentais do processo, […] a saber, o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e o seu livre convencimento […].
As diferenças são muitas, mas ambas as vias apresentam estruturas semelhantes, quando considerados os conjuntos, ainda mais tendo em vista que ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos. O paralelismo encontra-se no respeito aos princípios garantidores do devido processo legal, guardadas as peculiaridades de cada instituto. (ARMELIN, 2007).
Carmona (2009, p. 51) define a arbitragem como:
Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.
Assim, entende-se que a principal característica que diferencia a arbitragem de outros meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, é o fato de que a sentença proferida por terceiro imparcial escolhido pelas partes é tão vinculante quanto a sentença proferida pelo Poder Judiciário.
No que tange às características típicas da arbitragem, vale pontuar que o procedimento arbitral é muito mais célere, principalmente porque é realizado em instância única, o que concede à arbitragem uma nítida vantagem em relação ao Judiciário.
Outra característica arbitral é a especialidade – ou expertise – dos árbitros que julgarão a demanda. A arbitragem é famosa pela tecnicidade dos seus julgadores, tendo em vista que qualquer pessoa pode ser designada, não apenas operadores do direito, o que permite a escolha de peritos no assunto do litígio. Ainda, outra característica é a confidencialidade dos procedimentos. A regra é o sigilo, ao contrário do que acontece no Judiciário.
Passa-se, então, à análise do princípio da autonomia da vontade das partes – não só relevante para o instituto da arbitragem como um todo, podendo ser considerado seu princípio regulador, mas também ponto fulcral para a análise da extensão dos efeitos da cláusula compromissória.
No sistema jurídico brasileiro, a convenção pela arbitragem possui fundamento contratual, conforme prevê o artigo 3º da Lei 9.367/96, que reforça enormemente a autonomia da vontade. Cahali (2015, p. 136- 137) ensina que:
É prestigiada a vontade das partes na arbitragem em seu grau máximo: começa com a liberdade para a indicação da arbitragem como forma de solução do litígio; e, prossegue, com a faculdade de indicarem todas as questões que gravitam em torno desta opção. Assim, estabelecem quem e quantos será(ão) o(s) árbitro(s), (…) e como será desenvolvido o procedimento arbitral.
Há, ainda, o princípio do pacta sunt servanda: o que foi pactuado entre as partes é vinculante para estas. Brekoulakis (2009) afirma que a disputa arbitral, quando baseada em duas pessoas jurídicas, limita-se pelo compromisso arbitral, e, dessa forma, terá de ser resolvida entre essas duas pessoas, de forma que outras partes que não consentiram previamente não podem ser incluídas na demanda.
A Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, XXXV, que nenhum conflito seja privado de apreciação pelo Poder Judiciário. Em contraponto, ao firmarem a convenção arbitral, as partes renunciam à jurisdição pública, de forma que a arbitragem representa uma forma de renúncia à garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional. Em razão disso, na teoria, somente aqueles que claramente consentiram com a cláusula compromissória poderiam participar do procedimento arbitral.
Conforme previsto no art. 4º, caput e § 1º, da Lei 9.307/96, a mesma deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserida em um contrato que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis ou firmada em instrumento apartado, referindo-se ao contrato principal (BRASIL, 1996).
O Supremo Tribunal Federal, na voz do Ministro Néri da Silveira, quando do julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5206-7/EP, que travava sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, manifestou-se no sentido de que não seria possível a instauração do juízo arbitral sem o consentimento das partes em sujeitar a demanda a ele, tendo em vista que o instituto é baseado, fundamentalmente, na vontade das partes.[3]
A arbitragem é uma faculdade, porém, se as partes firmam a convenção arbitral, por meio da cláusula compromissória, se obrigam a ela e afastam a jurisdição estatal. Conforme Gagliardi (2016, p. 222): “se assim é, vinculam-se na exata medida do consentimento expressado. Sem muito esforço, pode-se vislumbrar que a tutela da confiança influencia a análise da extensão e do alcance subjetivo da cláusula compromissória.”
O Superior Tribunal de Justiça ressaltou a importância da manifestação inequívoca da vontade das partes para a possibilidade de submissão à jurisdição arbitral, em sede de julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 885 – US (2005/0034898-7). Quando dessa oportunidade, o Ministro Relator Maurício Corrêa defendeu que:
Tal possibilidade [de submeter litígios à arbitragem], aplicável aos conflitos envolvendo interesses disponíveis, traduz-se, na realidade, em exclusão da jurisdição estatal. Deve, por isso mesmo, diante de sua excepcionalidade e importância, revestir-se de expressa e manifesta vontade dos contratantes, na forma do que estabelecem os arts. 4.º, 5.º e 6.º, da Lei 9.307/1996.[4]
No entendimento supracitado, o Ministro esclarece ainda que “não se admite, em consequência, até pela sua excepcionalidade, convenção de arbitragem tácita, implícita e remissiva, como se pretende” (BRASIL, 2002, p. 332). Nesse sentido, impossível seria submeter parte à jurisdição arbitral, eminentemente privada e pautada no consensualismo, quando da ausência de sua assinatura no contrato ou convenção que possui o compromisso arbitral.
Não obstante, com base na intrínseca relação entre a arbitragem e o princípio da autonomia da vontade, é necessário afastar-se das teorias de interpretação restritivas do compromisso arbitral, já que, nos casos práticos, oriundos de relações atuais bem mais complexas, é possível notar que a manifestação de vontade pode ser expressa por uma forma inequívoca que não a assinatura em um contrato. Fouchard pontua:
O acordo de vontades permanece, a princípio, essencial. Por este acordo, as partes conferem aos árbitros o poder de julgar sua disputa; existe, portanto, no centro da arbitragem, uma autorização que é subjetiva ou pessoal (nomeação de um árbitro como juiz) e objetiva ou real (…). Esta autorização é de origem contratual; é a vontade das partes que é a fonte da competência do árbitro; ela cria e fixa os limites. (FOUCHARD, 1965, p.10, tradução nossa).
A corte especial do STJ, no julgamento de Sentença Estrangeira Contestada nº 967, afirmou que a ausência de inequívoca demonstração da manifestação da vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta o princípio insculpido no ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes submeterem a solução dos conflitos à arbitragem.[5]
Train (2003, p. 487) ressalta que existe um conflito entre a autonomia da vontade e a eficiência das decisões arbitrais que, em determinados casos, exigem a presença, no processo arbitral, de um terceiro não signatário da cláusula compromissória. Reconhece que os tribunais arbitrais têm mudado a postura formalista, admitindo a equiparação do terceiro às partes, de forma que “em determinadas situações, é preciso que os árbitros incluam o terceiro, seja para evitar a fraude ou para permitir que a sentença, por eles prolatada, seja eficaz em relação a quem efetivamente participou do negócio.”
3. A EXTENSÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA A TERCEIROS
O fenômeno no qual uma parte não signatária de cláusula compromissória pode ser intimada a participar de procedimento arbitral ficou conhecido, na doutrina, por “extensão da cláusula compromissória à parte não signatária”. Melo (2013, p. 59) exemplifica o contexto:
A sociedade A celebra com a sociedade B contrato de prestação de serviços. A sociedade C, integrante do mesmo grupo empresarial de que faz parte B, responsabiliza-se por executar algumas das obrigações assumidas por B no contrato. A sociedade A, alegando inadimplemento parcial do contrato, inicia arbitragem contra B (signatária) e C (não signatária). Nesta hipótese, a parte requerida C não assinou a convenção arbitral em que se funda a arbitragem e poderá, portanto, questionar a competência do tribunal arbitral para apreciar o pedido contra ela formulado por A.
De acordo com a doutrina contemporânea, existem duas principais teorias invocadas na prática arbitral: a teoria dos grupos de sociedades e a teoria dos grupos de contratos.
Inicialmente, os grupos de sociedades são considerados um fenômeno oriundo da segunda metade do século XX, com o fortalecimento do capitalismo e da globalização. Diante disso, compreende-se que os grupos de sociedades têm como objetivo concentrar suas atividades para obter mais eficiência e, também, reunir seus recursos para otimizar o desempenho empresarial e a persecução de lucros. Gonçalves (2006, p. 494) ensina o conceito de grupos econômicos:
O grupo econômico é definido como o conjunto de empresas que, ainda quando juridicamente independentes entre si, estão interligadas, seja por relações contratuais, seja pelo capital, e cuja propriedade (de ativos específicos e, principalmente, do capital) pertence a indivíduos ou instituições, que exercem o controle efetivo sobre este conjunto de empresas.
Ficam evidenciadas duas principais características: a unidade econômica e de direção das atividades e a independência jurídica das sociedades que integram o grupo econômico. É possível verificar, nessa ótica, no âmbito da concentração do poder empresarial, exceções à noção formalista da cláusula arbitral, quando existem indícios da participação de uma sociedade não-signatária no negócio jurídico. Essa participação, por si só, não é suficiente para uma extensão automática da cláusula, sendo necessária a análise, pelo Tribunal Arbitral, do comportamento das partes.
A título de exemplo, Leonardo Melo traz o entendimento corroborado pelo próprio STJ, por ação da 3ª Turma, que, no julgamento do REsp 434.856/RO, decidiu pela responsabilidade civil de um banco por obrigações assumidas por outra empresa do mesmo grupo econômico, por negócio que não fez parte diretamente, tendo em vista ser líder do grupo econômico e o negócio jurídico ter sido concretizado em razão do prestígio do grupo, de suas instalações físicas e dos próprios empregados. (MELO, 2013).
Todavia, é importante ressaltar que “a mesma tutela da confiança que justifica a expansão do alcance subjetivo da cláusula compromissória também atua como limite à sua incidência.” (GAGLIARDI, 2016, p. 227).
Não muito distante deste raciocínio encontra-se a segunda teoria, que versa sobre os grupos de contratos. O conceito do instituto de coligação contratual não está previsto expressamente no ordenamento jurídico pátrio, de forma que se utiliza a caracterização formulada pela doutrina e jurisprudência nacional.
Consideram-se um grupo de contratos (contratos conexos) aqueles que, embora estruturalmente diferentes entre si, guardam um nexo funcional e econômico. Gagliardi (2016, p. 223) explica que:
Contratos coligados são, muitas vezes, pensados para existir em conjunto, enquanto peças de um sistema dotado de uma causa supracontratual ou sistêmica, que se sobrepõe à causa de cada um dos contratos, não raro envolvendo até mesmo partes distintas. As prestações oriundas de negócios distintos integrantes de uma mesma coligação, voltada para um mesmo fim, em geral, configuram uma unidade econômica.
Um dos efeitos dos contratos coligados tange a oponibilidade. É nesse efeito que reside a possibilidade da extensão da cláusula compromissória, tendo em vista que a coligação impacta diretamente na competência para julgar os conflitos que se surgem (SILVA, 2010). A problemática encontra-se na diferença, no caso concreto, entre um negócio único com pluralidade de declarações e negócios múltiplos, ligados complexamente por nexos que não excluem sua individualidade.
Silva (2010, p. 63) pontua que um dos conceitos mais importantes nessa análise é o nexo finalístico, sendo esse um requisito imprescindível para a caracterização de contratos coligados: é o “fim contratual, o resultado ou efeito prático almejado, em conformidade com os interesses concretos das partes”.
Exemplo trazido por Souza (2017, p. 5) é o julgamento do Agravo Regimental no Conflito de Competência 69.689/RJ, no qual o STJ entendeu que “o contrato de cessão de uso de imagem era coligado ao contrato de trabalho, sendo este o contrato principal, razão pela qual concluiu pela competência da Justiça Trabalhista para o julgamento dos litígios oriundos de ambos os contratos.”
Nota-se, portanto, que diante do estudo das duas teorias, o principal fundamento para a possibilidade de extensão da cláusula arbitral é a real vontade das partes. No âmbito do julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 856-EX (2005/0031430-2), de 18 de junho de 2005, o STJ analisou a vontade das partes: a cláusula arbitral não havia sido assinada pelas partes, não possuindo, portanto, validade e eficácia jurídica, retirando a competência do juízo arbitral. Apesar disso, o Tribunal entendeu pelo reconhecimento de uma “cláusula compromissória tácita”.
Na análise concreta do caso, o STJ entendeu que a parte requerida havia tido participação efetiva no processo, com apresentação de defesa e falta de impugnação ao Tribunal Arbitral. Por esse motivo, o Ministro Relator Carlos Alberto Direito concluiu que “houve inequívoca aceitação da convenção arbitral”[6]. Além disso, outro fator que influenciou o reconhecimento de consentimento com a arbitragem foi o fato de que a requerida havia procedido ao cumprimento parcial do contrato.
Wald e Galindez (2005, p. 244), em comentário sobre o julgado, afirmam que o STJ teria aplicado à risca, a esta análise, o princípio da boa-fé, de modo que o comportamento das partes influenciou de forma decisiva para a compreensão da sua vontade e da manifestação tácita de adesão ao compromisso arbitral.
Percebe-se, portanto, que do mesmo modo que fora admitido pelo STJ a existência de cláusula compromissória tácita, com suporte na premissa da real vontade das partes, é totalmente viável a extensão da cláusula compromissória a contratos dela desprovidos, desde que as provas analisadas no caso concreto demonstrem a presença dessa vontade.
Salienta-se que, em casos julgados após o supracitado, o STJ retornou a interpretar de forma restritiva, no sentido de declarar que a cláusula compromissória deve ser formalmente assinada para que seja competente o juízo arbitral. (GOMES, 2018). Apesar de um retrocesso temporário, o STJ tornou a reverter o posicionamento em cenário mais recente.
Trata-se do julgamento do REsp n. 1.639.035/SP, no qual o STJ decidiu pela extensão da cláusula compromissória existente apenas no contrato principal (contrato de abertura de crédito) aos contratos coligados a ele (contratos de swap). O Min.Rel. Sanseverino enfatizou que:
Extraindo-se que num sistema de coligação contratual o contrato reputado como sendo o principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos que a ele se ajustam, não se mostra razoável que uma cláusula compromissória inserta naquele não tivesse seus efeitos estendidos aos demais.[7]
Por sua vez, o Min. Salomão, voto-vencido, defendeu que a ausência de cláusula compromissória expressa nos contratos de swap impede que os litígios decorrentes de tais pactos sejam dirimidos pela via arbitral, sob pena de violar o princípio da autonomia da vontade das partes que, segundo o Ministro, “constitui a própria ratio essendi desse método alternativo de heterocomposição de litígio.”[8]
Sobre o tema, Konder (2019) ensina que deve-se ter cautela para não ocorrerem generalizações simplistas no modelo “principal-acessório”, sendo preciso investigar se o silêncio no instrumento acessório, de alguma forma, significa uma escolha pelo Judiciário ou apenas uma dispensa de nova manifestação pela arbitragem, já feita pela cláusula arbitral no contrato principal.
Em vista de todo exposto, tem-se que o entendimento do STJ caminha no sentido da possibilidade de manifestações tácitas de consentimento. Gomes (2018, p. 67) ressalta que “assim como a inferência de consentimento pelo silêncio, a inferência do consentimento mediante o consentimento tácito do não signatário não é ampla e irrestrita, mas antes decorre das particularidades de cada caso.”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identifica-se que é cristalina a possibilidade de extensão de cláusula arbitral a partes não signatárias do contrato, mediante análise dos requisitos casuísticos, ou seja, das peculiaridades de cada caso concreto. Seja na teoria dos grupos econômicos ou dos grupos de contratos, o que se verifica é a necessidade de expressão inequívoca da vontade das partes em se submeter à jurisdição arbitral.
Justamente por essa razão, qualquer decisão do tema perpassa uma análise minuciosamente circunstancial, para, então, aferir a real vontade das partes na situação fática analisada, com base, também, na boa-fé objetiva e em seus deveres anexos.
Nesse sentido, é corolário-lógico da análise dos fundamentos trazidos pela doutrina e pela jurisprudência nacional que o formalismo da regra que exige a forma escrita para o estabelecimento de cláusula compromissória vem sendo relativizado. Isso posto, “repita-se que estender os efeitos da cláusula arbitral é a exceção, e não a regra”. (SILVA, 2010, p.77).
Opina-se que a busca pela manifestação da vontade expressada tacitamente realmente é essencial para compreender se o terceiro não signatário envolvido no litígio consentiu com a jurisdição arbitral, com base na sua análise comportamental. Concluindo-se, então, que caso consentimento seja demonstrado, e que o não signatário tenha agido como verdadeira parte contratual, a submissão à via arbitral encontra-se autorizada.
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APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ
2. Fala do Ministro Ricardo Lewandowski, em discurso na reunião-almoço mensal do Instituto de Advogados de São Paulo, em 28 nov. 2014.
3. Citação extraída do voto-vista do Ministro Néri da Silveira, fls. 1.189 dos autos do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206-7 – EP.
4. Citação extraída do voto do Min. Relator Maurício Corrêa, fls. 326, dos autos da Sentença Estrangeira Contestada 6753-UK.
5. “PROCESSUAL CIVIL. SEC – SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE REQUERIDA. OFENSA A PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. […]. 2. Na hipótese em exame, consoante o registrado nos autos, não restou caracterizada a manifestação ou a vontade da requerida no tocante à eleição do Juízo arbitral, uma vez que não consta a sua assinatura nos contratos nos quais se estabeleceu a cláusula arbitral. 3. A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem […].” (SEC 967-EX, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, j. 15.02.2006).
6. Citação extraída do voto do Min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, fls. 16, nos autos da Sentença Estrangeira Contestada 856-EX.
7. Citação extraída do voto do Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, fls. 83, nos autos do REsp n. 1.639.035/SP.
8. Citação extraída do voto do Min. Luis Felipe Salomão, voto-vencido, fls. 105, nos autos do REsp n. 1.639.035/SP.
Por Mariana Vazquez Cabral da Silveira, Pós-graduada em Direito Contratual pela Faculdade Legale, Pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). ORCID: 0000-0002-2752-9292.
Fonte: Núcleo do Conhecimento – 21/03/2023.
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