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Por José Rogério Cruz e Tucci
Realizaram-se, nos dias 28 a 30 de agosto passado, na acolhedora cidade de Campos de Jordão (SP), a 10ª edição das Jornadas Brasileiras de Direito Processual, organizadas pelo operoso Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Tive o privilégio de participar do painel sobre arbitragem, juntamente com os colegas de magistério Carlos Alberto Carmona e Manoel de Queiroz Pereira Calças, no qual abordei o tema relacionado à liberdade de julgar do árbitro, sintetizado nestas linhas escritas para a prestigiosa Revista Eletrônica Consultor Jurídico.
Entre os deveres do árbitro insere-se aquele de conduzir os atos procedimentais com observância das garantias do due process of law.
Assim, mantendo independência e imparcialidade, deve agir com diligência, preservando sempre a confidencialidade de que se reveste o processo arbitral.
A teor do artigo 18 da Lei de Arbitragem, o árbitro é juiz de fato e de Direito, tendo ampla liberdade para formar a sua convicção, podendo valer-se das máximas de experiência, mas, jamais, de seu conhecimento privado, visto que no processo arbitral também vigora o aforismo quod non est in actus non est in mundo.
Nesse particular, é deveras esclarecedora a importante obra de Friedrich Stein, El conocimiento privado del juez, na tradução espanhola de 1973 (Universidad de Navarra, Pamplona).
Tal liberdade, contudo, desponta limitada pelas regras dos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil, uma vez que também impera, no âmbito do processo arbitral, o denominado “princípio da congruência”, no sentido de que a sentença deve guardar simetria com a postulação dos litigantes, desenhada no termo de arbitragem.
É verdade que o processo arbitral é caracterizado por certa flexibilidade, inclusive no que toca à construção do objeto litigioso. Pode-se dizer que a pretensão das partes vai se formando até se estabilizar definitivamente no termo de arbitragem.
A partir desse momento, toda prova a ser produzida cingir-se-á aos fatos delineados pelas partes e consolidados no aludido termo. Note-se que, em nosso sistema jurídico, são arbitráveis apenas direitos disponíveis, circunstância que impõe aos litigantes o onus probandi. Isso não significa, no entanto, que o árbitro esteja impedido de determinar ex officio a produção de determinada prova, desde que justifique a sua pertinência.
Adstrição é a chave para o diagnóstico da higidez da sentença arbitral. Esta deve enfrentar as causas petendi e excipiendi na motivação e o pedido no respectivo dispositivo.
Dentre os vícios que maculam a sentença, à exemplo do pronunciamento exarado pelo juiz togado, encontra-se aquele que concerne à falta de harmonia entre o que foi pedido e o que foi efetivamente decidido. A sentença arbitral é passível de anulação quando for considerada ultra, extra ou citra petita, porque infiel ao objeto do processo.
Na hipótese de ser ela infra petita, o vício apresenta-se menos grave, porquanto, antes do trânsito em julgado, as partes podem tentar saná-lo mediante pedido de esclarecimentos.
Cabe observar que o Projeto 406/2013, de reforma da Lei de Arbitragem, no fim de sua tramitação perante o Senado Federal, acolheu emenda criticável sob todos os aspectos. Com efeito, foi introduzido no artigo 33 o parágrafo 4º, com a seguinte redação: “A parte interessada poderá ingressar em juízo também para requerer a prolação de sentença arbitral complementar, se o árbitro não decidir todas as questões submetidas à arbitragem”. Além da patente ausência de técnica, facilmente detectável, esse dispositivo “cria” uma demanda absolutamente desnecessária, a ser aforada perante juiz togado, com total desprezo à vontade das partes.
Aduza-se, por outro lado, que a liberdade da decisão do árbitro encontra ainda limite no que se refere ao direito que rege a arbitragem. O árbitro deve examinar o thema decidendum e proferir sentença, sob pena de nulidade, à luz da legislação escolhida pelas partes.
Embora, entre nós, ainda exista certa resistência, é certo que o árbitro também poderá julgar por equidade. A confiança que cada parte deposita no árbitro que indicou avaliza o juízo prudencial que norteará a sentença a ser proferida.
Vale lembrar que nem sempre o painel é constituído por árbitros com conhecimento jurídico. Nesta hipótese, a redação da sentença pode não atender aos requisitos formais exigidos pela lei. É, pois, de todo recomendável que pelo menos o presidente do painel seja alguém versado em Direito, a evitar nulidade, comprometendo todo o processo arbitral.
Acrescente-se, por fim, que, como bem assentado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.312.651-SP, de relatoria do ministro Marco Buzzi, “no ordenamento jurídico pátrio, o árbitro não foi contemplado com o poder de império, de coerção, capaz de determinar a execução de suas sentenças, motivo pelo qual, não adimplida voluntariamente a obrigação, deve o credor recorrer ao Poder Judiciário, requerendo o cumprimento da sentença arbitral, cujo processamento dar-se-á no juízo cível competente, nos moldes do artigo 475-P, III, do CPC”.
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2014, 08:00
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