Lei de arbitragem completa 18 anos de vigência em via de reforma

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Alternativa ao sistema jurídico convencional estatal, a arbitragem é reconhecida legalmente em nosso país desde a colonização portuguesa e foi prevista ainda no Brasil Império, mediante a possibilidade aberta pelo artigo 160 da Constituição de 1824, o qual estabelecia que as partes poderiam nomear juízes-árbitros para solucionar questões nas áreas cíveis e nas penais civilmente intentadas.
O legislador também já chegou a tratar o sistema como obrigatório, conforme previam os artigos 245 e 294 do ainda vigente Código Comercial de 1850:
Art. 245 – Todas as questões que resultarem de contratos de locação mercantil serão decididas em juízo arbitral.
(…)
Art. 294 – Todas as questões sociais que se suscitarem entre sócios durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha, serão decididas em juízo arbitral.
Eficaz método extrajudicial de solução de litígios, a arbitragem assumiu novos contornos no regramento e no território brasileiro em 23 de setembro de 1996. Dois meses depois, entrava em vigor a lei 9.307, que oferecia às partes contratantes a possibilidade de se solucionar conflitos com maior agilidade, discrição e contemplando ainda decisões mais especializadas e técnicas.
Hoje, próximo de completar 18 anos de vigência, esse método se consolidou e é uma das técnicas mais utilizadas fora da esfera do Judiciário. Além das eventuais benesses às partes, a arbitragem tem se apresentado como uma das soluções mais viáveis para desafogar o Judiciário, sendo amplamente incentivada.
Nesta senda, seu protagonismo fez com que emergisse a necessidade de ampliar e fortalecer a arbitragem como meio viável e rápido de resolução de conflitos. Após intenso trabalho de uma comissão de juristas, então, surgiu o PL 7.108/14, que se destina a reformar a lei 9.307.
Administração pública
O projeto de lei em trâmite no Congresso expande as hipóteses em que a arbitragem pode ser utilizada. O artigo 1º, por exemplo, conforme aprovado na Câmara, admite aplicação no âmbito da administração pública direta e indireta para dirimir conflitos relativos a direito patrimonial disponíveis, desde que prevista a cláusulas no edital ou nos contratos da administração nos termos do regulamento. A Casa Legislativa aprovou emenda ao PL que inclui a exigência de regulamentação da arbitragem nos casos de contratos públicos.
Para o advogado Gilberto Giusti, do escritório Pinheiro Neto Advogados, o projeto vem ao encontro do entendimento que a jurisprudência dos Tribunais já havia consolidado nos últimos anos, “ou seja, que a arbitragem é sim meio válido e eficaz para dirimir disputas de caráter econômico oriundas e/ou relacionadas a contratos firmados com entes da Administração Pública Direta e Indireta que contenham cláusula compromissória legitimamente firmada”.
“A reafirmação desse entendimento pela via legal é bem-vinda para que eventuais dúvidas que ainda possam existir quanto a essa matéria sejam de vez afastadas.”
Entretanto, segundo o especialista, ao estabelecer que a solução arbitral esteja prevista no edital e seja objeto de regulamentação, o projeto vai na contramão do desenvolvimento do instituto no país.
“A previsão de um regulamento posterior – que não se sabe bem qual é e como se dará – para validar a cláusula compromissória inserida nos contratos com a Administração Pública (…) parece-me desnecessária e geradora de indesejável insegurança jurídica, inclusive no tocante às arbitragens já em curso relativas a contratos com entes da Administração.”
Já segundo o advogado e árbitro Mauricio Gomm Santos, que atua em processos arbitrais no Brasil e no exterior no campo de contratos comerciais em geral, a locução adverbial condicional “desde que” seguida da menção aos “termos do regulamento” faz nascer um quadro de “dependência perigosa, anacrônica e supérflua”.
“Além da clara desnecessidade da regulamentação e da flagrante insegurança que daí adviria, cabe relembrar que já há expressa previsão em diversos diplomas legislativos do uso da arbitragem por entes da Administração Pública, sempre sob a lente do Judiciário que tem construído uma sólida jurisprudência sobre o assunto. Ademais, o trabalho para se regulamentar dispositivos legislativos traz, como é sabido, incerteza no conteúdo e no tempo.”
Segundo Gomm, a emenda inserida pela Câmara poderá trazer insegurança e fazer “retroagir pensando que estamos avançando”. “Como se sabe, quando a insegurança aparece, o investidor desaparece ou o prêmio do seguro cresce.”
Ainda que a determinação seja suprimida, o especialista afirma ter opinião pouco favorável sobre a pertinência de se alterar a lei para prever o uso da arbitragem pela administração pública direta e indireta, podendo gerar novo e rápido anseio de mudança.
“Para tal, basta que a Administração comece a ter contra si decisões arbitrais, as quais se apimentarão se a parte vencedora for estrangeira, subsidiária nacional de empresa estrangeira, ou administrada por câmara internacional, ainda que princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa tenham sido preservados.”
O árbitro exemplifica, declarando que nos EUA, a lei Federal de arbitragem está beirando os 90 anos e poderia ter sido alterada, mas é voz assente entre o mundo arbitral yankee que uma tentativa de mudança, por mais justificável e acertada que fosse, “abriria uma caixa de pandora com risco para o próprio exercício do instituto e prejuízos incalculáveis ao país”.
Área trabalhista
O artigo 4º do PL trata da arbitragem sobre relação de emprego, com a concordância do empregado. A cláusula, entretanto, limita a aplicação ao empregado que ocupa ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário e terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com ela.
Segundo Gomm, a “getuliana” CLT surgiu numa época em que a grande maioria dos trabalhadores brasileiros era analfabeta. “Os tempos mudaram muito.” Ainda para o especialista, ao trabalhador que ocupa – ou venha a ocupar – cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, “não se pode utilizar da mesma premissa de hipossuficiência utilizada ao trabalhador menos letrado, com pouca ou nenhum poder de barganha”.
“Em um momento em que empresas estrangeiras continuam a aterrissar no Brasil é importante e positivo que se lhes ofereça a opção de contratar executivos locais e com eles pactuar a cláusula arbitral. A meu juízo, a proposta é um avanço.”
No mesmo sentido, Gilberto Giusti destaca que o projeto traz um grande avanço ao dar segurança jurídica à eficácia da solução arbitral para conflitos trabalhistas envolvendo empregados com posição de direção ou de alta administração na empresa, “o que, aliás, também já vinha sendo desenhado pela jurisprudência recente de nossos Tribunais”.
“Embora ainda preveja limitações como a necessidade de a arbitragem ser instituída pelo empregado ou contar com a expressa concordância deste (em que pese o empregado já ter firmado a cláusula compromissória lá atrás), repito que se trata de um avanço nas sempre delicadas e extremamente estatizadas disputas trabalhistas.”
Ingresso em juízo
Outro ponto também bastante discutido da proposta trata da possibilidade prevista no § 4º do artigo 33 do PL, de que “a parte interessada poderá ingressar em juízo também para requerer a prolação da sentença arbitral complementar, caso o árbitro não decidir todas as questões submetidas à arbitragem”.
Para Giusti, a previsão é muito perigosa e espera-se que ela seja retirada do texto final, visto que pode trazer insegurança jurídica. “Entendo mais apropriado o texto da lei atual, que prevê, entre as causas de nulidade da sentença arbitral como um todo, o fato de esta ‘não decidir todo o litígio submetido à arbitragem’ (art. 32, V).”
Segundo Gomm, como houve uma explosão no uso do instituto nos últimos cinco anos, é natural que hajam decisões questionáveis ou questionadas na Justiça. Entretanto, “a emenda poderá sair pior do que o soneto”.
“Tal proposta – se aprovada – poderá acabar impulsionando uma corrida ao Judiciário. Todos os sucumbentes na arbitragem naturalmente tenderão a bater às portas do Judiciário defendendo que nem todas as “questões” foram decididas pelo árbitro. Consequentemente, hão de igualmente defender que, enquanto não houver manifestação judicial complementar, imperar-se-á a sustação dos efeitos da decisão arbitral. Portanto, a suspensão dos efeitos da sentença arbitral tem tudo para ser a regra; não a exceção.”
Se há o temor de que o árbitro venha a julgar equivocada ou parcialmente as “questões” a si confiadas, segundo o árbitro, cabem às partes deixar claro suas preocupações no Termo de Arbitragem, estabelecendo inclusive a previsão de um duplo grau arbitral.
Mecanismo de pacificação social
“As soluções extrajudiciais, em especial a arbitragem, representam o avanço do processo civilizatório da humanidade, que, de maneira consciente, busca mecanismos de pacificação social eficientes. Indiretamente, carrega perspectiva de racionalidade para a jurisdição estatal, hoje assoberbada com o decantado volume de processos”, afirma o ministro do STJ Luis Felipe Salomão.
Em artigo escrito a Migalhas para celebrar a efeméride, o presidente da comissão de juristas responsável por elaborar o anteprojeto de reforma da lei de arbitragem destaca que a ampliação segura do espectro da norma “é imperativo para o momento social e econômico em nosso País, de modo que a aprovação do projeto acima mencionado será importante marco para o instituto”.
Migalhas de arbitragem
Segundo Crina Baltag, secretária geral do Centro de Arbitragem e Mediação da Amcham, são atendidas por ano, em média, de 10 a 11 arbitragens. Isso significa mais de 20 empresas. Os tipos de processos mais comuns são de arbitragem societária e arbitragem envolvendo contratos de engenharia. O valor médio das arbitragens é de R$ 7,5 milhões, com um valor máximo de R$ 230 milhões.
Dados fornecidos pela Amcham dão conta de que:
  • Entre 2010 a 2013, foram iniciados 603 procedimentos arbitrais nas seis principais câmaras de arbitragem do Brasil [Brasil-Canadá, FIESP, Amcham, Câmara de Arbitragem do Mercado, FGV e Câmara de Arbitragem Empresarial-Brasil], e o valor acumulado dos litígios se aproximou dos R$ 16 bilhões.
  • No ano passado, o valor das arbitragens entrantes somou R$ 4,8 bilhões, aumento de mais de 70% sobre os R$ 2,8 bilhões de 2010.
  • Os conflitos societários são responsáveis pelo maior volume de arbitragens, com matérias relacionadas a acordos de acionistas e outras pendências vinculadas à administração.
  • O segundo grande motivo de litígios intermediados pela arbitragem são as divergências de entendimento em contratos de construção civil e energia.
  • O perfil das empresas usuárias é de médio e grande porte. Elas preferem resolver rapidamente suas divergências, ao invés de ter que recorrer ao Judiciário.
Fonte: Migalhas, Quarta-feira, 19 de novembro de 2014
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